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Veja por que seu filho não precisa ser o melhor em tudo o que faz

30th janeiro 2015   ·   0 Comments

Giovanna Tavares

Cobrança exagerada pode afetar a autoestima das crianças e desencadear problemas emocionais. Além disso, a atitude é uma forma de estimular o individualismo e o egoísmo

Aula de ballet, de futebol, de idiomas. As opções de atividades extracurriculares para as crianças são cada vez mais abrangentes, bem como a disposição dos pais para preencher todos os minutinhos livres dos pequenos. O grande problema é quando esse estímulo se transforma em cobrança, exigindo que os filhos sejam excepcionais em todas as atividades.

Esse anseio é reflexo da sociedade competitiva em que vivemos. Muitas vezes, a cobrança dos pais é percebida pelos próprios como um estímulo positivo, já que eles não tiveram as mesmas “oportunidades” que as crianças têm hoje em dia. Por isso, elas precisam ser alfabetizadas mais cedo, estar nas melhores escolas e tirar boas notas. Mas sem direito ao chamado “ócio criativo”, as crianças têm o desenvolvimento prejudicado.

“Existe uma valorização muito grande do aspecto cognitivo em detrimento dos demais, como o emocional. Mas nós não somos só o racional. Quando você estimula apenas um aspecto, há a antecipação de várias fases da criança. Por exemplo, existem pais que acham bonito dizer que o filho está aprendendo a ler mais cedo. Isso não é positivo, porque estamos pulando etapas que precisam ser trabalhadas e que a criança precisa viver”, afirma Juliana Boff, psicóloga e coordenadora do Colégio Sion.

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Ensinar aos pequenos que eles devem ser melhores que os demais também é uma forma de estimular o individualismo e o egoísmo. Em longo prazo, eles se transformam em adultos com dificuldades para se relacionar com os demais, já que os pais sempre cobraram essa competitividade em casa.

“Os adultos querem o retorno daquilo que oferecem. A partir do momento que a criança se sente cobrada, ela fica mais ansiosa e isso pode ocasionar um complexo de inferioridade. A criança pequena pode até não processar isso tão bem, mas ela se sente menor ao perceber que os pais não estão satisfeitos com o seu desempenho”, explica Sonia Linston, pediatra do Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos.

Saber ouvir

O extremo oposto também não é saudável para o desenvolvimento infantil. Em outras palavras, os filhos precisam da orientação e do estímulo dos pais, mas de maneira equilibrada. A total ausência deles faz com que as crianças se sintam à deriva, menos estimadas e cuidadas pelos pais.

O caminho para evitar os dois extremos é observar as reações dos pequenos. Se demonstrarem qualquer tipo de desconforto, talvez seja o momento de repensar as atividades escolhidas.

“É importante deixar que eles sejam protagonistas da própria história. Vivemos uma cultura em que a criança é tida como alguém que a gente molda, como se ela não existisse. Apesar de ser pequena, ela tem suas características, seus desejos, suas vontades e receios, que também precisam ser ouvidos. Isso não significa que vamos fazer só o que a criança quer”, pondera Juliana Boff.

Motivação e aptidão

Cada pessoa é única, com suas aptidões e dificuldades. Esse é o principal conselho que a microempresária Anamaria Jannuzzi dá ao filho Lucas, de sete anos. “A gente tenta motivá-lo a desenvolver as aptidões dele, mas cada pessoa tem facilidade com uma coisa, então não tem por que forçar nada. Não tem como ser excelente em tudo. Nós, adultos, sabemos disso. É injusto cobrar isso das crianças”, defende ela.

Lucas tem muita facilidade com matemática, mas demorou a ser aceito no time de futebol da escola. Os amiguinhos diziam que ele não era bom o suficiente. Em vez de cobrar resultados melhores do filho, Anamaria o lembrou de suas qualidades, para que ele não se sentisse obrigado a ser como as outras crianças.

“Da mesma forma que ele é excelente em matemática, o outro amigo é melhor em corrida, por exemplo. E não há nada errado com isso. Então, jogo muito na vontade dele: se ele quiser, pode treinar mais e melhorar no futebol. E se não quiser, tudo bem também, porque ele tem outros talentos e gosta de fazer outras coisas. Sempre respeito o espaço dele, antes de qualquer coisa”, conta a mãe.

A situação pela qual Lucas passou, de ter o talento questionado pelos colegas da escola, é a prova de que as crianças precisarão enfrentar a competitividade de um jeito ou de outro. Nenhuma está imune a isso. A diferença está na maneira como os pequenos vão lidar com isso. Devolvendo na mesma moeda ou reconhecendo os próprios limites.

“Nossa vida não pode se resumir à excelência. Existe uma maneira diferente de se relacionar com as pessoas, de forma cooperativa e colaborativa. A gente não vive só para o trabalho e para as coisas materiais, para as melhores notas, para aquela vaga no vestibular. Tudo isso faz parte de uma vida mais humana. O grande desafio é mudar o foco e trabalhar esses aspectos nas crianças”, acredita Juliana.

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