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Cuidar dos filhos dos outros e não dos próprios pode trazer culpa e cobrança

28th agosto 2015   ·   0 Comments

Erisson Rosati

Assim como a personagem de Regina Casé, muitas mulheres deixam suas famílias para trabalhar na casa dos outros: “Me sinto mal por não ter ficado com meu filho”, diz uma delas

Maria José Alves mandou o filho com então um ano e meio para sua terra natal, no Paraná, para que o bebê fosse criado pelos avós enquanto ela trabalhava em uma casa de família em São Paulo, onde tomava ;conta duas crianças pequenas. “A gente é mãe, lógico que dói um filho longe. Mas, naquela época, era o melhor que eu poderia fazer. Eu mandava um dinheirinho todo mês para eles e sabia que meu filho estava bem cuidado”, lembra. A empregada doméstica de 51 anos e muitas outras mulheres vão se reconhecer na tela do cinema. Val, personagem de Regina Casé em “Que Horas Ela Volta?”, que estreia em circuito nacional nesta quinta-feira (27), assim como Maria José, deixou a filha em outro Estado para criar o filho dos outros.

Empurradas para esse tipo de serviço mais por falta de opção do que por vocação, muitas destas trabalhadoras sentem-se culpadas e angustiadas com a escolha. Segundo Marcio Iost, psicólogo especialista em psicodrama, não é incomum que, com o tempo, muitas se arrependam. “Escolher pela carreira também pode ser uma escolha válida, desde que não haja imposição. No caso dessas mulheres, o que fala mais alto é a sobrevivência, elas não escolhem”, diz o especialista. Para ele, há uma grande carga emocional em cada dia trabalhado. “Imagine acordar todos os dias para cuidar da casa dos outros, da comida dos outros, da roupa dos outros, dos filhos dos outros? Claro que é um trabalho, mas a cobrança de cuidar de sua família, de sua casa, de seu universo, vai surgir em algum momento.”

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A pernambucana Margarida Queiroz, de 27 anos, é outra mãe que trabalha numa casa com crianças e sabe bem a carga que carrega por dedicar mais tempo à família que paga seu salário do que à própria. “Claro que gosto deles, afinal, fico com eles todos os dias. Eles são muito respeitosos comigo, mas sei que não são minha família”, compara. No entanto, ela conseguiu uma brecha no horário de trabalho para ficar mais próxima da filha de sete anos. “Negociei com minha patroa para sair 30 minutos mais cedo, assim posso pegar minha pequena na escolinha. Mas chego em casa tão cansada e tenho tanta coisa para fazer, que não consigo dar atenção a ela. Só aos finais de semana”, queixa-se. “Até hoje só consegui ir duas vezes na reunião de pais na escolinha.”

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“Me sinto mal por não ter ficado mais tempo com meu filho”

Iost reforça que as mães que trabalham fora devem tentar driblar as dificuldades e investir no tempo, mesmo que seja pouco, que passam com seus filhos. “Para a criança, é fundamental ter qualidade e não quantidade. A mãe precisa entender que, mesmo que ela tenha apenas duas horas do dia com a criança, este precisa ser um momento especial. Seja a hora do banho, da lição de casa ou da brincadeira… É a mãe que define qualidade do afeto que dá ao seu filho.”

Maria José não quis repetir com o segundo filho a criação à distância que teve com o primogênito. Com o apoio do segundo marido, ela fez uma pausa de cinco anos do trabalho para ficar próxima do caçula. E até hoje, passados mais de 30 anos, ela se culpa pela ausência com o mais velho. “Quando me casei pela segunda vez, eu quis trazer ele para vir morar comigo em São Paulo, mas minha mãe não queria e nem ele. Meu filho já tinha 12 anos e estava muito apegado aos avós. Não sei se ele tem rancor de mim. Ele diz que não, mas confesso que às vezes me sinto mal por não ter ficado com ele mais tempo.”

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